Decisão TJSC

Processo: 5018481-32.2022.8.24.0091

Recurso: recurso

Relator: Desembargador ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA

Órgão julgador:

Data do julgamento: 19 de setembro de 2021

Ementa

RECURSO – Documento:6777608 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Criminal Nº 5018481-32.2022.8.24.0091/SC RELATOR: Desembargador ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA RELATÓRIO Na Comarca da Capital, o Ministério Público ofereceu denúncia em face de G. S., dando-o como incurso nas sanções do art. 15 da Lei n. 10.826/03, R. R. D. L., como incurso nas sanções do art. 15 da Lei n. 10.826/03 e art. 209, caput, do Código Penal Militar, e D. C. D. M., como incursa nas sanções do art. 15 da Lei n. 10.826/03 e art. 209, caput, c/c arts. 29, § 2º, e art. 53, do Código Penal Militar, nos seguintes termos (evento 1, DENUNCIA1):

(TJSC; Processo nº 5018481-32.2022.8.24.0091; Recurso: recurso; Relator: Desembargador ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 19 de setembro de 2021)

Texto completo da decisão

Documento:6777608 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Criminal Nº 5018481-32.2022.8.24.0091/SC RELATOR: Desembargador ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA RELATÓRIO Na Comarca da Capital, o Ministério Público ofereceu denúncia em face de G. S., dando-o como incurso nas sanções do art. 15 da Lei n. 10.826/03, R. R. D. L., como incurso nas sanções do art. 15 da Lei n. 10.826/03 e art. 209, caput, do Código Penal Militar, e D. C. D. M., como incursa nas sanções do art. 15 da Lei n. 10.826/03 e art. 209, caput, c/c arts. 29, § 2º, e art. 53, do Código Penal Militar, nos seguintes termos (evento 1, DENUNCIA1): [...] No dia 19 de setembro de 2021, por volta das 20h46min, foi transmitida ao COPOM informação proveniente da Agência de Inteligência, no sentido de que o condutor do veículo Citroen/C4, que supostamente havia realizado disparo de arma de fogo contra estabelecimento comercial no dia anterior, estava trafegando nas proximidades do centro da cidade. Em vista da comunicação, diversas guarnições passaram a perseguir o veículo suspeito, inclusive aquela composta pelos denunciados D. C. D. M. e R. R. D. L., além daquela formada pelo denunciado G. S. e terceiro policial. Ocorre que, durante a perseguição, nas proximidades do Colégio Zélia Scharf, localizado na Rua Borges de Medeiros, 1341, Presidente Médici, Chapecó/ SC, suspeitando que o condutor do veículo havia realizado disparos com arma de fogo, visando realizar a sua abordagem, sem qualquer risco imediato de morte ou lesão a ele próprio ou a terceiros, o denunciado G. S. efetuou 1 (um) disparo de arma de fogo em direção ao veículo em movimento e a seus passageiros. Ato seguinte, continuada a perseguição pelas demais viaturas, em estrada de chão localizada nas proximidades da Rua 7 de Setembro, Centro, Chapecó/ SC, novamente sem qualquer risco, mas visando parar a fuga do então suspeito, o denunciado R. R. D. L. efetuou 7 (sete) disparos de arma de fogo em direção ao veículo que se evadia, enquanto que a denunciada D. C. D. M. realizou 5 (cinco) disparos de arma de fogo contra o mesmo automóvel. Em seguida, considerando a realização dos 13 (treze) disparos de arma de fogo pelos denunciados, foi realizada a abordagem do veículo suspeito e de seus passageiros, oportunidade em que o denunciado R. R. D. L., imbuído por evidente animus laedendi e pretendendo localizar a arma de fogo que acreditava que os ofendidos possuíam, desferiu chutes e socos contra Jonathan Schmitt Bueno e Albani Aroldo de Paula, provocando-lhes, respectivamente, as seguintes lesões corporais de natureza leve: "escoriações na face à direita e ferimento contuso superficial na linha média do couro cabeludo, região interparietal", e "escoriações na região frontal direita associada a edema; pequena equimose arroxeada na região infraorbitária direita; pequenas escoriações na porção anterior do pescoço; escoriação na lateral esquerda do tórax". Na oportunidade, a denunciada D. C. D. M., embora tivesse o dever de agir, presenciou a prática das agressões e se omitiu, violando o dever legal de ação, quando devia e podia agir para evitar o resultado. Ainda, a denunciada deu guarida à ação criminosa de seu companheiro de guarnição, visto que, enquanto RAFAEL agredia os ofendidos, DAIANA espargiu spray de pimenta em direção às cabeças de Jonathan e Albani. Nesse contexto, na data, horário e local acima apontados, os denunciados G. S., R. R. D. L. e D. C. D. M. dispararam arma de fogo em local habitado e na via pública, bem como, nas mesmas condições de tempo e local, os denunciados R. R. D. L. e D. C. D. M. ofenderam a integridade corporal de Jonathan Schmitt Bueno e Albani Aroldo de Paula". Após a regular instrução do processo, sobreveio sentença que julgou  parcialmente procedente a denúncia, conforme o seguinte dispositivo (evento 206, SENT1): [...] ABSOLVER G. S., já qualificado, da prática do crime previsto no artigo 15, caput, da Lei nº 10.826/2003, com fundamento no art. 439, "d", do Código de Processo Penal Militar, ante o reconhecimento da legítima defesa putativa, com base nos arts. 36 c/c 42, II, ambos do Código Penal Militar. b) CONDENAR o acusado R. R. D. L. à pena privativa de liberdade de 04 (quatro) anos e 01 (um) mês de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 17 (dezessete) dias-multa, fixados em 1/30 do salário mínimo vigente na época dos fatos, pela prática do crime previsto no art. 15, caput, c/c art. 20, ambos da Lei 10.826/2003, e de 08 (oito) meses e 04 (quatro) dias de detenção, em regime inicial aberto, pela prática do crime previsto no art. 209, caput, do Código Penal Militar, por duas vezes; c) CONDENAR a acusada D. C. D. M. à pena privativa de liberdade de 04 (quatro) anos e 01 (um) mês de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 17 (dezessete) dias-multa, fixados em 1/30 do salário mínimo vigente na época dos fatos, pela prática do crime previsto no art. 15, caput, c/c art. 20, ambos da Lei 10.826/2003, e de 07 (sete) meses de detenção, em regime inicial aberto, pela prática do crime descrito no art. 209, caput, c/c art. 29, §2º, ambos Código Penal Militar, por duas vezes. [...] (grifos no original). Irresignados com o teor da sentença, os condenados interpuseram recurso de Apelação Criminal.  No recurso interposto, a defesa de R. R. D. L. busca a reforma integral da sentença condenatória, pleiteando sua absolvição com fundamento na legítima defesa de terceiros e no estrito cumprimento do dever legal, conforme previsto no art. 2º, parágrafo único, inciso II, da Lei nº 13.060/2014. Sustenta que os disparos efetuados durante a perseguição policial foram proporcionais e necessários diante da ameaça concreta imposta pelos ocupantes do veículo em fuga, cuja conduta representava risco iminente à segurança pública. Quanto ao delito de lesão corporal, previsto no art. 209 do Código Penal Militar, a defesa argumenta pela ausência de nexo causal entre os ferimentos das vítimas e a conduta do apelante, destacando que os laudos periciais não são conclusivos e que as escoriações podem ter decorrido da própria dinâmica da fuga. Invoca, por fim, o princípio do in dubio pro reo, previsto no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal Militar, requerendo a absolvição do recorrente ou, subsidiariamente, a desclassificação das condutas imputadas (evento 237, RAZAPELA1). Por sua vez, a defesa de D. C. D. M. busca, em síntese, sua absolvição quanto aos delitos previstos no art. 15, caput, c/c art. 20, ambos da Lei n. 10.826/2003, e no art. 209, caput, c/c art. 29, §2º, do Código Penal Militar, por duas vezes. Fundamenta o inconformismo na existência de omissões e contradições na decisão recorrida, especialmente no que tange à aplicação desigual de critérios jurídicos entre os corréus. Alega, ainda, que a sentença desconsiderou elementos probatórios colhidos em juízo, ignorou o arquivamento do processo administrativo disciplinar (PAD) que reconheceu a licitude da conduta da apelante, e deixou de aplicar corretamente o disposto no art. 2º, parágrafo único, II, da Lei n. 13.060/2014, bem como os arts. 36 e 42, II, do Código de Processo Penal Militar. Sustenta, ademais, a ausência de nexo causal entre as supostas lesões corporais e a conduta da recorrente, apontando omissão na análise dos laudos periciais. Por fim, de forma subsidiária, requer a readequação da dosimetria da pena, com a fixação da pena-base no mínimo legal e o afastamento da duplicidade punitiva (bis in idem) decorrente da aplicação simultânea de agravante e causa de aumento pelo exercício da função policial (evento 237, RAZAPELA1). Foram apresentadas contrarrazões pelo Ministério Público, nas quais pugna pela manutenção da sentença condenatória, sustentando a suficiência do conjunto probatório para a responsabilização penal dos apelantes (evento 242, PROMOÇÃO1). Remetidos os autos a esta Corte, a 6ª Procuradoria de Justiça Criminal, por meio de parecer subscrito pelo Exmo. Procurador de Justiça Protásio Campos Neto, manifestou-se pelo desprovimento dos apelos defensivos (evento 8, PARECER1). Este é o relatório necessário. assinado por ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6777608v17 e do código CRC 79d8f8ff. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA Data e Hora: 14/11/2025, às 16:43:49     5018481-32.2022.8.24.0091 6777608 .V17 Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 16:15:00. Identificações de pessoas físicas foram ocultadas Documento:6777609 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Criminal Nº 5018481-32.2022.8.24.0091/SC RELATOR: Desembargador ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA VOTO Os recursos interpostos são adequados à espécie e foram apresentados dentro do prazo legal, razão pela qual deles conheço. Nos termos do relatório, na Comarca da Capital, o Ministério Público ofereceu denúncia em face de G. S., dando-o como incurso nas sanções do art. 15 da Lei n. 10.826/03, R. R. D. L., como incurso nas sanções do art. 15 da Lei n. 10.826/03 e art. 209, caput, do Código Penal Militar, e D. C. D. M., como incursa nas sanções do art. 15 da Lei n. 10.826/03 e art. 209, caput, c/c arts. 29, § 2º, e art. 53, do Código Penal Militar, nos seguintes termos (evento 1, DENUNCIA1): [...] No dia 19 de setembro de 2021, por volta das 20h46min, foi transmitida ao COPOM informação proveniente da Agência de Inteligência, no sentido de que o condutor do veículo Citroen/C4, que supostamente havia realizado disparo de arma de fogo contra estabelecimento comercial no dia anterior, estava trafegando nas proximidades do centro da cidade. Em vista da comunicação, diversas guarnições passaram a perseguir o veículo suspeito, inclusive aquela composta pelos denunciados D. C. D. M. e R. R. D. L., além daquela formada pelo denunciado G. S. e terceiro policial. Ocorre que, durante a perseguição, nas proximidades do Colégio Zélia Scharf, localizado na Rua Borges de Medeiros, 1341, Presidente Médici, Chapecó/ SC, suspeitando que o condutor do veículo havia realizado disparos com arma de fogo, visando realizar a sua abordagem, sem qualquer risco imediato de morte ou lesão a ele próprio ou a terceiros, o denunciado G. S. efetuou 1 (um) disparo de arma de fogo em direção ao veículo em movimento e a seus passageiros. Ato seguinte, continuada a perseguição pelas demais viaturas, em estrada de chão localizada nas proximidades da Rua 7 de Setembro, Centro, Chapecó/ SC, novamente sem qualquer risco, mas visando parar a fuga do então suspeito, o denunciado R. R. D. L. efetuou 7 (sete) disparos de arma de fogo em direção ao veículo que se evadia, enquanto que a denunciada D. C. D. M. realizou 5 (cinco) disparos de arma de fogo contra o mesmo automóvel. Em seguida, considerando a realização dos 13 (treze) disparos de arma de fogo pelos denunciados, foi realizada a abordagem do veículo suspeito e de seus passageiros, oportunidade em que o denunciado R. R. D. L., imbuído por evidente animus laedendi e pretendendo localizar a arma de fogo que acreditava que os ofendidos possuíam, desferiu chutes e socos contra Jonathan Schmitt Bueno e Albani Aroldo de Paula, provocando-lhes, respectivamente, as seguintes lesões corporais de natureza leve: "escoriações na face à direita e ferimento contuso superficial na linha média do couro cabeludo, região interparietal", e "escoriações na região frontal direita associada a edema; pequena equimose arroxeada na região infraorbitária direita; pequenas escoriações na porção anterior do pescoço; escoriação na lateral esquerda do tórax". Na oportunidade, a denunciada D. C. D. M., embora tivesse o dever de agir, presenciou a prática das agressões e se omitiu, violando o dever legal de ação, quando devia e podia agir para evitar o resultado. Ainda, a denunciada deu guarida à ação criminosa de seu companheiro de guarnição, visto que, enquanto RAFAEL agredia os ofendidos, DAIANA espargiu spray de pimenta em direção às cabeças de Jonathan e Albani. Nesse contexto, na data, horário e local acima apontados, os denunciados G. S., R. R. D. L. e D. C. D. M. dispararam arma de fogo em local habitado e na via pública, bem como, nas mesmas condições de tempo e local, os denunciados R. R. D. L. e D. C. D. M. ofenderam a integridade corporal de Jonathan Schmitt Bueno e Albani Aroldo de Paula". Após a regular instrução do processo, sobreveio sentença que julgou  parcialmente procedente a denúncia, conforme o seguinte dispositivo (evento 206, SENT1): [...] ABSOLVER G. S., já qualificado, da prática do crime previsto no artigo 15, caput, da Lei nº 10.826/2003, com fundamento no art. 439, "d", do Código de Processo Penal Militar, ante o reconhecimento da legítima defesa putativa, com base nos arts. 36 c/c 42, II, ambos do Código Penal Militar. b) CONDENAR o acusado R. R. D. L. à pena privativa de liberdade de 04 (quatro) anos e 01 (um) mês de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 17 (dezessete) dias-multa, fixados em 1/30 do salário mínimo vigente na época dos fatos, pela prática do crime previsto no art. 15, caput, c/c art. 20, ambos da Lei 10.826/2003, e de 08 (oito) meses e 04 (quatro) dias de detenção, em regime inicial aberto, pela prática do crime previsto no art. 209, caput, do Código Penal Militar, por duas vezes; c) CONDENAR a acusada D. C. D. M. à pena privativa de liberdade de 04 (quatro) anos e 01 (um) mês de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 17 (dezessete) dias-multa, fixados em 1/30 do salário mínimo vigente na época dos fatos, pela prática do crime previsto no art. 15, caput, c/c art. 20, ambos da Lei 10.826/2003, e de 07 (sete) meses de detenção, em regime inicial aberto, pela prática do crime descrito no art. 209, caput, c/c art. 29, §2º, ambos Código Penal Militar, por duas vezes. [...] (grifos no original). Irresignados com o teor da sentença, os condenados interpuseram recurso de Apelação Criminal.  No recurso interposto, a defesa de R. R. D. L. busca a reforma integral da sentença condenatória, pleiteando sua absolvição com fundamento na legítima defesa de terceiros e no estrito cumprimento do dever legal, conforme previsto no art. 2º, parágrafo único, inciso II, da Lei nº 13.060/2014. Sustenta que os disparos efetuados durante a perseguição policial foram proporcionais e necessários diante da ameaça concreta imposta pelos ocupantes do veículo em fuga, cuja conduta representava risco iminente à segurança pública. Quanto ao delito de lesão corporal, previsto no art. 209 do Código Penal Militar, a defesa argumenta pela ausência de nexo causal entre os ferimentos das vítimas e a conduta do apelante, destacando que os laudos periciais não são conclusivos e que as escoriações podem ter decorrido da própria dinâmica da fuga. Invoca, por fim, o princípio do in dubio pro reo, previsto no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal Militar, requerendo a absolvição do recorrente ou, subsidiariamente, a desclassificação das condutas imputadas (evento 237, RAZAPELA1). Por sua vez, a defesa de D. C. D. M. busca, em síntese, sua absolvição quanto aos delitos previstos no art. 15, caput, c/c art. 20, ambos da Lei n. 10.826/2003, e no art. 209, caput, c/c art. 29, §2º, do Código Penal Militar, por duas vezes. Fundamenta o inconformismo na existência de omissões e contradições na decisão recorrida, especialmente no que tange à aplicação desigual de critérios jurídicos entre os corréus. Alega, ainda, que a sentença desconsiderou elementos probatórios colhidos em juízo, ignorou o arquivamento do processo administrativo disciplinar (PAD) que reconheceu a licitude da conduta da apelante, e deixou de aplicar corretamente o disposto no art. 2º, parágrafo único, II, da Lei n. 13.060/2014, bem como os arts. 36 e 42, II, do Código de Processo Penal Militar. Sustenta, ademais, a ausência de nexo causal entre as supostas lesões corporais e a conduta da recorrente, apontando omissão na análise dos laudos periciais. Por fim, de forma subsidiária, requer a readequação da dosimetria da pena, com a fixação da pena-base no mínimo legal e o afastamento da duplicidade punitiva (bis in idem) decorrente da aplicação simultânea de agravante e causa de aumento pelo exercício da função policial (evento 237, RAZAPELA1). Em resumo, a insurgência dos recorrentes centra-se na alegação de que os disparos de arma de fogo foram realizados em legítima defesa, no estrito cumprimento do dever legal, e que não há provas suficientes para sustentar a condenação pelo delito de lesões corporais. Após detida análise dos autos, verifica-se equívoco ao valorar de forma desigual condutas idênticas praticadas por policiais militares em contexto de perseguição a veículo suspeito, ignorando elementos probatórios relevantes e desconsiderando a complexidade da atuação policial em situações de risco. A absolvição do policial G. S., reconhecida na sentença com base na legítima defesa putativa, decorreu da interpretação de que, ao ouvir um estampido semelhante a disparo de arma de fogo, teria reagido com um único tiro, acreditando estar sob agressão injusta. Tal entendimento, contudo, não foi estendido aos demais policiais que atuaram sob as mesmas circunstâncias, o que revela evidente contradição. Os recorrentes Daiana e Rafael, ao se depararem com o mesmo veículo em fuga, que já havia desobedecido ordem de parada, invadido calçadas, cruzado sinais vermelhos e colidido com outros automóveis, agiram com base em informações transmitidas pela Agência de Inteligência (P2), que indicavam possível envolvimento dos ocupantes em disparos de arma de fogo no dia anterior. A conduta dos apelantes, ao efetuarem disparos com o objetivo de cessar a fuga e proteger terceiros, encontra respaldo na exceção prevista no art. 2º, parágrafo único, II, da Lei 13.060/2014, que autoriza o uso de arma de fogo quando houver risco de morte ou lesão aos agentes de segurança ou a terceiros. A perseguição, conforme demonstrado nos autos, configurava situação de risco iminente à coletividade. A alegação ministerial de que os disparos foram direcionados aos pneus do veículo, com o objetivo de pará-lo, reforça a tese defensiva de que não houve intenção de atingir os ocupantes, mas sim de neutralizar uma ameaça à ordem pública. Tal conduta, embora não prevista como técnica ideal no POP 006 (Procedimentos Operacionais Padrão), deve ser analisada à luz da necessidade concreta e da proporcionalidade da resposta policial, não pode se sobrepor à necessidade concreta de proteção da vida e da ordem pública. A legítima defesa, nos termos do art. 44 do Código Penal Militar, exige a presença de agressão injusta, atual ou iminente, e o uso moderado dos meios necessários para repelir tal agressão. No caso em tela, a agressão não se deu por meio de arma de fogo disparada contra os policiais, mas pela condução temerária do veículo, que colocava em risco a vida de pedestres, motoristas e dos próprios agentes públicos. A jurisprudência é clara ao reconhecer que a legítima defesa de terceiros pode ser configurada diante de ameaça concreta à coletividade. A ausência de arma de fogo no interior do veículo não afasta a percepção de risco vivenciada pelos policiais, especialmente diante da informação de que o veículo estaria armado e da conduta agressiva do condutor. Outros aspectos do caso também merecem ser realçados. Ambos os ofendidos afirmaram não ter percebido a intervenção policial que determinava a parada do automóvel, sob a alegação de que “estava distraído ouvindo som” e “som do carro estava ligado e estava distraído ao celular”. Tal argumento revela-se pouco crível. É de conhecimento geral que as diligências de abordagem por parte das forças de segurança são efetuadas mediante sinais acústicos, bem como por meio de dispositivos luminosos, como os faróis das viaturas e o “girolex”. Assim, a explicação apresentada para o descumprimento imediato da ordem emanada pela autoridade policial, fundada na ausência de percepção visual e sonora, mostra-se inverossímil. A testemunha Brenda relatou que, "uma viatura começou a andar atrás do carro; que Jhonathan começou a andar mais rápido e fugir", "que Jhonathan passou no vermelho na sinaleira e, quando olhou para trás, tinham três viaturas; que pediram para ele parar, mas ele disse para ficarem tranquilas e continuou fugindo". De igual forma, a testemunha Jeissy contou que, "já dentro do veículo, notou a aproximação de uma viatura de polícia; que Jonathan começou a fugir". Não sendo apenas isso, a testemunha Gabriela descreveu que, "já dentro do veículo, notou que a Guarda Municipal estava atrás do carro e ligou a sirene; que Jhonathan não parou e iniciou uma fuga; que, posteriormente, viu que tinham quatro viaturas perseguindo-os; que Jonathan empreendeu fuga, furando sinais vermelhos e colidindo com outros veículos". As testemunhas arroladas pelo Ministério Público foram uníssonas ao relatar que Jhonatan percebeu a ordem emanada pelos agentes de segurança para que fosse efetuada a parada do automóvel. Não obstante, optou por evadir-se, circulando pela cidade e expondo a coletividade a elevado risco. É inadmissível que, diante de informações concretas sobre a prática delituosa, os agentes determinem a parada do veículo e este, de forma manifesta, consciente e voluntária, descumpra a ordem legal, empreendendo fuga pelas vias urbanas. Nessa conjuntura, não se pode imputar responsabilidade aos agentes por terem, dentro dos limites da legalidade e da urgência da situação, recorrido aos meios disponíveis para fazer cessar a ocorrência. Verifica-se que a absolvição do acusado Gelson — registre-se, acertadamente — decorreu do fato de este haver efetuado um disparo contra o veículo em descontrole, ao passo que a condenação dos denunciados Rafael e Daiana se deu no contexto dos mesmos acontecimentos, vinculados ao mesmo nexo de causalidade, em razão de terem realizado maior número de disparos. Conforme já esclarecido, os ora ofendidos empreenderam fuga, recusando-se a obedecer à ordem de parada, expondo a coletividade a risco iminente, circunstância que exigiu a adoção de medidas mais incisivas, inclusive com o emprego de disparos adicionais, para lograr a interrupção da conduta. Nas palavras da testemunha Brenda, “que acredita que Jhonathan parou o carro porque não tinha mais para onde ir”, resta evidenciado que os disparos efetuados pelos agentes não foram suficientes para cessar, de forma imediata, o perigo representado pelos ora ofendidos. Ainda que se cogite eventual responsabilização por suposto excesso, entendo que os meios empregados não se mostraram eficazes para neutralizar a ameaça, razão pela qual não se revela desproporcional a conduta dos agentes diante da gravidade da situação. Diante do conjunto probatório constante dos autos, conclui-se que a atuação dos militares se deu dentro dos limites da legalidade e da necessidade imposta pela situação concreta. A conduta dos ofendidos, ao desobedecerem ordem legítima de parada e colocarem em risco a segurança pública, foi o fator determinante para a adoção de medidas mais enérgicas por parte dos agentes. Assim, eventual alegação de excesso não encontra respaldo, uma vez que os próprios ofendidos deram causa à intervenção mais incisiva, sendo esta proporcional à gravidade da ameaça que representavam à coletividade. No tocante às lesões corporais, o Ministério Público afirma que os laudos periciais afastam a hipótese de ferimentos causados por cacos de vidro. No entanto, os próprios laudos não indicam o meio empregado, tampouco estabelecem nexo causal direto entre as lesões e a conduta dos apelantes. A ausência de exame residuográfico, por limitações técnicas, não pode ser interpretada em desfavor dos réus, sobretudo quando as vítimas se dispuseram a realizá-lo. O ofendido Jhonathan, em sede judicial, alegou que outros agentes teriam participado das agressões ou estariam envolvidos nos fatos, o que introduz dúvida quanto à autoria de eventuais atos de violência. Tal afirmação, desprovida de elementos concretos que permitam individualizar a conduta dos supostos envolvidos, fragiliza a imputação e impede a responsabilização precisa, não sendo possível, diante da incerteza, atribuir a prática de agressões a agentes específicos. Ademais, a alegação de que Daiana teria se omitido diante das agressões não encontra respaldo probatório suficiente. A suposta utilização de spray de pimenta não foi confirmada por perícia, e os relatos das testemunhas são contraditórios quanto à sua atuação. A responsabilização por omissão exige prova inequívoca de que a agente presenciou e tinha condições de impedir o resultado, o que não se verifica nos autos. Quanto ao Processo Administrativo Disciplinar, embora o Ministério Público sustente a independência das esferas, é inegável que o arquivamento do PAD, com fundamento na inexistência de infração funcional, reforça a tese de que os policiais agiram dentro dos limites operacionais possíveis. Considerando que o cenário retratado nos autos é de perseguição entre automóvel e agentes militares, entendo que as lesões apresentadas pelos ofendidos podem ter decorrido da própria dinâmica da ocorrência. Não havendo elementos seguros que confirmem a prática das alegadas agressões por parte dos denunciados, e diante do contexto fático delineado, reputo que a absolvição pela imputação do delito de lesão corporal mostra-se a solução juridicamente mais adequada. Peço vênia para divergir, contudo, entendo que os fatos devem ser apreciados sob uma perspectiva global. O elevado número de disparos efetuados contra um veículo parado, que não representasse ameaça concreta, ou que houvesse acatado prontamente a ordem de parada, poderia, de fato, configurar excesso. Todavia, a mesma quantidade de disparos dirigida a um automóvel em movimento descontrolado, trafegando pelo centro da Capital, colidindo com outros veículos e expondo a sociedade a risco extremo, revela-se compatível com a gravidade da situação enfrentada. Nesse contexto, os agentes agiram dentro dos limites da necessidade, sendo certo que os próprios ofendidos, ao provocarem o cenário de perigo, deram causa ao suposto excesso alegado. Diante de todo o exposto, reafirma-se que os apelantes agiram em legítima defesa de terceiros, no estrito cumprimento do dever legal, e que não há provas suficientes para sustentar a condenação pelos crimes imputados. A absolvição é medida que se impõe, nos termos do art. 439, “d”, do Código de Processo Penal Militar. Ante o exposto, voto no sentido de conhecer e dar provimento aos recursos de apelação, para reformar integralmente a sentença e absolver D. C. D. M. e R. R. D. L. das imputações constantes na denúncia, com fulcro no art. 439, “d”, do Código de Processo Penal Militar. assinado por ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6777609v38 e do código CRC 2f3e78c4. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA Data e Hora: 14/11/2025, às 16:43:49     5018481-32.2022.8.24.0091 6777609 .V38 Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 16:15:00. Identificações de pessoas físicas foram ocultadas Documento:6777610 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Criminal Nº 5018481-32.2022.8.24.0091/SC RELATOR: Desembargador ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA EMENTA direito penal e processual militar. APELAÇÃO CRIMINAL. DISPARO DE ARMA DE FOGO EM VIA PÚBLICA (ART. 15 DA LEI 10.826/2003). LESÃO CORPORAL (ART. 209 DO CPM). POLICIAIS MILITARES EM PERSEGUIÇÃO A VEÍCULO SUSPEITO. INFORMAÇÕES PRÉVIAS DE ENVOLVIMENTO EM DISPAROS DE ARMA DE FOGO. CONDUTOR EM FUGA. DIREÇÃO PERIGOSA. RISCO À COLETIVIDADE. DISPAROS DIRECIONADOS AOS PNEUS. AUSÊNCIA DE DOLO. LEGÍTIMA DEFESA DE TERCEIROS CONFIGURADA. EXCLUDENTE DE ILICITUDE RECONHECIDA. LAUDO PERICIAL INCONCLUSIVO QUANTO À ORIGEM DAS LESÕES. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL. DÚVIDA RAZOÁVEL. IN DUBIO PRO REO. ABSOLVIÇÃO. ART. 439, “D”, DO CPPM. recursos providos. I. CASO EM EXAME 1. Apelação Criminal Militar interposta pelos condenados contra sentença proferida pela Vara de Direito Militar da Comarca da Capital, que lhes impôs as sanções legais decorrentes da prática dos delitos de disparo de arma de fogo e lesão corporal. II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO 2. A insurgência dos recorrentes concentra-se na tese de que os disparos de arma de fogo foram efetuados em legítima defesa, no estrito cumprimento do dever legal, sustentando, ainda, a ausência de provas suficientes para embasar a condenação pelo delito de lesão corporal. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Demonstrado que os policiais militares agiram em contexto de perseguição a veículo suspeito, com base em informações da inteligência policial, e diante de risco concreto à segurança de terceiros, os disparos efetuados em via pública, direcionados à parte inferior do automóvel, configuram legítima defesa de terceiros e estrito cumprimento do dever legal. 4. Ausente prova inequívoca de agressão injusta por parte dos ocupantes do veículo, bem como de dolo na conduta dos agentes de segurança, impõe-se o reconhecimento da excludente de ilicitude, por se tratar de atuação amparada pelo estrito cumprimento do dever legal, diante das circunstâncias excepcionais que se apresentaram. 5. Considerando que o cenário retratado nos autos é de perseguição entre automóvel e agentes militares, entendo que as lesões apresentadas pelos ofendidos podem ter decorrido da própria dinâmica da ocorrência. Não havendo elementos seguros que confirmem a prática das alegadas agressões por parte dos denunciados, e diante do contexto fático delineado, reputo que a absolvição pela imputação do delito de lesão corporal mostra-se a solução juridicamente mais adequada. 6. Aplicação do Princípio do In Dubio Pro Reo. Reforma da sentença para absolver os apelantes. Inteligência do art. 439, “d”, do Código de Processo Penal Militar. IV. DISPOSITIVO 7. Recursos conhecidos e providos.   ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 1ª Câmara Criminal do decidiu, por unanimidade, conhecer e dar provimento aos recursos de apelação, para reformar integralmente a sentença e absolver D. C. D. M. e R. R. D. L. das imputações constantes na denúncia, com fulcro no art. 439, "d", do Código de Processo Penal Militar, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Florianópolis, 12 de novembro de 2025. assinado por ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6777610v10 e do código CRC 0f84b208. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA Data e Hora: 14/11/2025, às 16:43:49     5018481-32.2022.8.24.0091 6777610 .V10 Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 16:15:00. Identificações de pessoas físicas foram ocultadas Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 06/11/2025 A 12/11/2025 Apelação Criminal Nº 5018481-32.2022.8.24.0091/SC RELATOR: Desembargador ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA REVISORA: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO PRESIDENTE: Desembargador ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA PROCURADOR(A): PEDRO SERGIO STEIL SUSTENTAÇÃO DE ARGUMENTOS: ARTHUR FERNANDO LOSEKANN por D. C. D. M. SUSTENTAÇÃO DE ARGUMENTOS: VINICIUS DEMARCHI JUVENCIO por R. R. D. L. Certifico que este processo foi incluído como item 170 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 21/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 06/11/2025 às 00:00 e encerrada em 11/11/2025 às 19:00. Certifico que a 1ª Câmara Criminal, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão: A 1ª CÂMARA CRIMINAL DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER E DAR PROVIMENTO AOS RECURSOS DE APELAÇÃO, PARA REFORMAR INTEGRALMENTE A SENTENÇA E ABSOLVER D. C. D. M. E R. R. D. L. DAS IMPUTAÇÕES CONSTANTES NA DENÚNCIA, COM FULCRO NO ART. 439, "D", DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR. RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA Votante: Desembargador ARIOVALDO ROGÉRIO RIBEIRO DA SILVA Votante: Desembargadora ANA LIA MOURA LISBOA CARNEIRO Votante: Desembargador PAULO ROBERTO SARTORATO ALEXANDRE AUGUSTO DE OLIVEIRA HANSEL Secretário Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 16:15:00. Identificações de pessoas físicas foram ocultadas